quinta-feira, 27 de março de 2014

Rios, Pontes e Overdrives

Rios, Pontes e Overdrives

{Recomenda-se ler [o post] e ouvir [a música] ao mesmo tempo}



"Porque no rio tem pato comendo lama?/" - Diz-se que essa ideia foi tirada de uma cena que Chico avistou no Rio Capibaribe, como não há "provas" sobre isso, fica válido, então, o entendimento acerca dos próprios versos: a miséria. - "Porque no rio tem pato comendo lama?/Porque no rio tem pato comendo lama?" - E, fica claro, logo no começo da música, a sua concepção repetitiva.


"Rios, pontes, e overdrives - impressionantes esculturas de lama!/Mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue!/ - Recife é uma cidade toda cortada por rios e pontes; overdrives, que antigamente se traduzia roda-livre,  poderia aí ser interpretado de várias formas: como ultrapassagem dos carros, como um mecanismo que faz o carro manter uma velocidade estável enquanto diminui o consumo de combustível, como um carro que tinha 5ª macha (que antigamente era raro), ou até como um pedal de guitarra, que é usado para simular a saturação do amplificador, ou seja, que é usado para criar distorções como se o som estivesse muito alto, algo muito usado por Lúcio Maia em todo o Da Lama ao Caos. - "Rios, pontes e overdrives - impressionantes esculturas de lama!/Mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue!"

Capa do Livro Sobrados e Mucambos, de Gilberto Freyre, de 1936. 
"E a lama come mocambo e no mocambo tem molambo/E o molambo já voou, caiu lá no calçamento bem no sol do meio-dia/O carro passou por cima e o molambo ficou lá!" - Mocambos são um espécie de barracos, ou moradias frágeis, que tem origens africanas. - "Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo tu..." - Molambo também é uma palavra de origem africana, e que significa farrapo, ou moribundo, indivíduos fracos em si. (Refrão)
Mapa de Bairros do Recife

É macaxeira, Imbiribeira, Bom pastor, é o Ibura, Ipseb, Torreão, Casa Amarela/Boa Viagem, Genipapo, Bonifácio, Santo Amaro, Madalena, Boa Vista, Dois Irmãos/É Cais do porto, é Caxangá, é Brasilit, Beberibe, CDU, Capibaribe, é o Centrão/Eu falei! - Claro que Chico não falou o nome de todos os bairros do Recife, mas dos mais conhecidos, sim; além da homenagem, a graça é tentar decorar todos esses versos com igual  velocidade com que são cantados. (Refrão)

“E a lama come mocambo e no mocambo tem molambo/E o molambo já voou, caiu lá no calçamento bem no sol do meio-dia/O carro passou por cima e o molambo ficou lá/Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo tu... – Nessa estrofe, Chico assume a si mesmo, e a nós, como molambos, como todos sendo cidadãos, não havendo diferença entre todos, sendo todos culpados e vítimas. (Refrão)

Molambo boa peça de pano pra se costurar mentira/Molambo boa peça de pano pra se costurar miséria/Molambo boa peça de pano pra se costurar mentira, mentira, mentira/Molambo boa peça de pano pra se costurar miséria, miséria, miséria.../ - Aqui fica claro o sentido de “farrapo” em molambo, e sua conotação social, já que, além da miséria, o moribundo ainda tem que sofrer com as mentiras de quem lhe faz promessas, de quem lhe vende esperança de uma vida melhor e não entrega o produto. - Molambo eu, molambo tu, molambo eu, molambo tu...


Mangroove! – Nessa palavra Chico expressa, pela primeira vez, um grande detalhe do manguebeat: em inglês, "man" significa "homem", e "groove", como uma gíria, significa "ritmo", enquanto "mangrove" é o nome que se dá as árvores típicas do mangue em inglês. Então, essa simples palavra "mangroove" conceitua tudo que o movimento mangue representa, sendo o indivíduo o "homem com ritmo", e o seu meio sendo o "manguezal".


Um requinte de trava-línguas, Rios, Pontes e Overdrives, é composta por pequenas doses da essência do mangue, e sua repetição é configurada pela própria melodia. A música é uma grande parceria entre Chico e Fred Zeroquatro, na verdade, esta música em si é originária de um texto que Fred escreveu, e que tinha o mesmo título. Chico o pediu, e Fred cedeu a ele com honra, não só lhe inspirando o título e a ideia, mas também lhe entregando até o refrão da música: "impressionantes esculturas de lama, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue, mangue..." - O que há de mais verdadeiro aqui é que Rios, Pontes e Overdrives, consegue dá aspectos geográficos da cidade, dos seus bairros até as suas pontes, a música é sim uma "homenagem" a cidade do Recife.

Recife Antigo, à noite.



Agora, falando em "homenagem" a cidade do Recife, vamos para A Cidade!


Victor Mauricio Borba

10 comentários:

  1. É um absurdo que uma explicação tão boa quanto essa não tenha um único comentário. Cara, muito obrigado pela explicação! Estava eu aqui pensando no sentido que Chico quis atribuir a palavra "Overdrive" e suas palavras caíram como uma luva sobre minha dúvidas. Muito obrigado.

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  2. Muito bom saber tanta coisa de uma forma tão completa sobre essa importante e emblemática música do movimento manguebeat que Fred Zeroquatro escreveu e Chico Science soube como ninguém interpretar e imortalizar.

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  3. Bastante esclarecedor 👏👏👏👏👏

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  4. Muito bacana esta análise musical. Como seria a cena musical do Recife se Chico estivesse vivo ainda?

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